Gonet quer tirar o poder do Senado para impeachment de ministros do STF

Caio Tomahawk


Uma nova manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR) causou forte reação no meio político e jurídico neste fim de semana. O procurador-geral Paulo Gonet defendeu que apenas a própria PGR tenha o poder de apresentar denúncias por crimes de responsabilidade contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), na prática retirando do Senado Federal — e da sociedade civil — o papel histórico de iniciar processos de impeachment de magistrados da mais alta Corte do país.

O documento foi encaminhado ao STF na noite de quinta-feira (9) e integra ações movidas pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e pelo partido Solidariedade. Ambos pedem que o Supremo reconheça a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei nº 1.079/50, a chamada Lei do Impeachment, que permite a qualquer cidadão protocolar denúncias contra ministros do STF no Senado Federal. O caso está sob relatoria do ministro Gilmar Mendes e tramita nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 1.259 e 1.260.

Gonet argumenta que essa “liberdade amplíssima” de qualquer cidadão poder apresentar denúncia é incompatível com a Constituição de 1988. Segundo ele, a regra da década de 1950 não foi recepcionada pela nova ordem constitucional, e o único legitimado para iniciar tais processos deveria ser o Procurador-Geral da República.


“É o caso de se dar o dispositivo como não recebido pelo constituinte de 1988, esclarecendo-se a legitimidade exclusiva do Procurador-Geral da República para o ato”, escreveu o chefe do Ministério Público Federal na manifestação.

A proposta, se acatada pelo Supremo, representaria uma mudança profunda no equilíbrio entre os Poderes. Atualmente, a Constituição determina que cabe ao Senado Federal julgar ministros do STF em casos de crime de responsabilidade, mas a PGR agora defende que apenas ela possa apresentar a denúncia inicial — eliminando, assim, o poder de iniciativa da população e dos próprios senadores.
Atos judiciais não seriam crimes de responsabilidade

Outro ponto da manifestação de Gonet que gerou controvérsia é a tese de que decisões, votos e despachos de ministros do Supremo não podem ser interpretados como crimes de responsabilidade. O procurador-geral sustenta que muitos dos pedidos de impeachment protocolados no Senado possuem “caráter retaliatório” e não se enquadram na definição legal do instituto.

Segundo levantamento da própria PGR, existem atualmente 78 pedidos de impeachment de ministros do STF tramitando no Senado. Para Gonet, isso demonstra uma “banalização do instrumento” e o uso político das denúncias.

A posição, porém, é vista por críticos como uma tentativa de blindar ainda mais o Supremo Tribunal Federal, justamente em um momento de grande desgaste da Corte perante a opinião pública e o Congresso. Parlamentares afirmam que o argumento de Gonet restringe um direito constitucional e enfraquece o sistema de freios e contrapesos entre os Poderes.
Quórum mais rígido e fim do afastamento automático

A manifestação da PGR também defende a elevação do quórum necessário para abrir e aprovar um impeachment de ministros. Hoje, a lei prevê que a decisão pode ser tomada por maioria simples — metade mais um dos senadores presentes. Gonet quer aplicar o mesmo padrão do processo de impeachment presidencial, que exige o apoio de dois terços do Senado.


“Há que se tomar igual parâmetro em se tratando de iniciar processo de afastamento de titular do Poder Judiciário”, afirmou.

Além disso, o procurador-geral pede que o recebimento de uma denúncia não implique no afastamento automático do ministro acusado, algo que, segundo ele, poderia comprometer o funcionamento do Supremo. “O afastamento de Ministro do STF do seu cargo desfalca necessariamente o Tribunal”, escreveu Gonet.
Reação política e institucional

A manifestação provocou intensa repercussão em Brasília. Parlamentares reagiram com surpresa e indignação, apontando que a proposta esvazia o poder fiscalizador do Senado e restringe direitos fundamentais dos cidadãos. “Se isso for aceito, o Senado se tornará refém do próprio Supremo”, comentou um senador que pediu anonimato.

Juristas também demonstraram preocupação. Para muitos, a tese defendida por Gonet cria um círculo de autoproteção institucional, onde apenas a PGR — historicamente alinhada ao STF — poderia acusar seus próprios ministros. “É o fim da independência entre os Poderes”, afirmou um advogado constitucionalista ouvido por portais jurídicos.

A discussão ocorre em um contexto de crescente tensão entre o Legislativo e o Judiciário. O Senado tem sido pressionado por parlamentares e pela sociedade civil a analisar dezenas de pedidos de impeachment de ministros, especialmente após decisões polêmicas envolvendo liberdade de expressão e investigações contra opositores do governo.

Agora, caberá ao ministro Gilmar Mendes, relator das ações, decidir se acolhe ou não a tese da PGR. Caso o Supremo concorde com Gonet, o Senado perderá na prática seu poder de iniciar processos contra ministros do STF — e o instrumento de impeachment, que é uma das principais garantias de controle democrático, poderá ser reduzido a uma formalidade sob controle de um único órgão.

O episódio reacende o debate sobre os limites do poder do STF e a necessidade de preservar o equilíbrio entre as instituições. Muitos veem na iniciativa da PGR uma tentativa de concentrar ainda mais poder nas mãos de poucos, num momento em que a confiança nas instituições já se encontra abalada.

Se confirmada, a medida mudará profundamente a dinâmica entre os Poderes e poderá ser lembrada como um dos episódios mais controversos da história recente da República.

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